Limiares entre Mediunidade x Psicologia
- 27 de out.
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“Se a vida psíquica fosse constituída de evidências
naturais – como acontece ainda no estágio primitivo –
poderíamos contentar-nos com um empirismo
decidido. Mas a vida psíquica do homem civilizado é
cheia de problemas, e não pode ser concebida senão
em termos de problema. Grande parte de nossos
processos psíquicos são constituídos de reflexões,
dúvidas, experimentos – coisas que a psique
instintiva e inconsciente do homem primitivo
desconhece quase inteiramente.”
(Jung, 1958/1971 p. 337)
PICS - TERAPIAS INTEGRATIVAS
As terapias integrativas são diversas práticas holísticas que atuam no acolhimento e vínculo terapêutico atuando de forma complementar na promoção e recuperação de saúde, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) as práticas não convencionais devem respeitar os padrões de regulação, segurança e investigação, ainda que seja a única fonte de cuidados em alguns países o órgão reconhece as lacunas em evidências científicas e qualidade, devido a isso, na estratégia 2025 - 2034 destacou nove princípios e entre eles o cuidado centrado na pessoa, com engajamento comunitário, em serviços de saúde integrados para sustentabilidade e biodiversidade.
As bases epistemológicas defendem que ao invés de observar e focar somente as doenças, o holismo também acolhe o todo do indivíduo, considerando emoções, corpo, espírito e ambiente em que esse está inserido, incentivando o protagonismo do paciente no próprio processo em busca da cura e fornecendo equilíbrio e manutenção através dos conhecimentos e filosofias ancestrais - não anulando ou substituindo os tratamentos convencionais.
O Ministério da Saúde aprovou recentemente a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, chamada PNPIC, no Sistema Único de Saúde através da Portaria nº971/2006, agregando nos atendimentos as práticas de Acupuntura, Apiterapia, Aromaterapia, Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Bioenergética, Constelação Familiar, Cromoterapia, Dança Circular, Fitoterapia, Floralterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Homeopatia, Imposição de Mãos, Medicina Antroposófica, Medicina Tradicional Chinesa, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Ozonioterapia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki. Shantala, Terapia Comunitária Integrativa, Termalismo social (crenoterapia) e Yoga.
ORACULAÇÃO E DIVINAÇÃO NA ANTIGUIDADE
As práticas divinatórias já estavam presentes na pré-história, na Era Paleolítica, e os primeiros registros oraculares apontam para o animismo e xamânicos quando os caçadores interpretavam os padrões da natureza e seus sinais, além do contato através de transe para contatar espíritos em busca de cura e orientações. O líder espiritual comunitário era quem guiava os demais através das medicinas da floresta e rituais.
Um pouco mais tarde, já no Antigo Egito e na Mesopotâmia, por volta de 3.000 a.C., os métodos oraculares passam a ser sistematizados em registros dos templos e passavam pela administração do Estado - o que cria um contexto religioso e também político, passando a ornar a legitimidade de decisões do governo e leis. Exemplos clássicos desses métodos são a hepatoscopia (interpretação por fígado dos animais abatidos em sacrifícios), a astrologia e os augúrios celestes (eclipses, trânsitos solares e lunares, movimentação de planetas e estrelas e a manifestação da natureza em relação à eles), sortilégios e lançamentos de objetos (como ossos e varetas), oráculo divino (sacerdotes guiavam a comunicação com deuses e entidades). A preparação oracular tinha períodos extensivos de aprendizagem e os conhecimentos eram codificados em hieróglifos e tablaturas de forma ritualística e padronizada, e o ato tinha como propósito guiar o povo, prever safras, guiar decisões políticas importantes e evitar catástrofes.
Adiante, por volta de 1.000 a.C., a Antiga Grécia ganhou um viés sofisticado sendo agregado não apenas a instituição religiosa, mas também um papel central na mitologia, no Estado e na cultura popular, como, por exemplo, o Oráculo de Delfos onde as pítias (sacerdotisas) forneciam a divinação em estado de transe, realmente com prática de vapores, da interpretação de entranhas, sonhos e augúrios, chamada mantíeis; nesse tempo se torna comum a consulta privada para acessar deuses ou heróis. O treinamento envolvia grande preparo, iniciação ritualística, estudos de toda tradição mitológica e simbólica, diversas técnicas de meditação, além de preparação física. Os gregos também utilizavam os oráculos para decisões políticas e iniciativas de guerra, não se limitando apenas as previsões e predições de rituais.
Roma Antiga, em 500 a.C., incorpora a forma oracular grega, formalizando os métodos como parte do colégio de pontífices e augures, com regras religiosas e civis para pautar e sistematizar as técnicas. As sibilas eram preparadas para se tornarem mais que oraculistas, eram também profetizas, elas estudavam amplamente diversos textos e diversas práticas ritualísticas e havia uma hierarquia sacerdotal bem definida e esclarecida, as leituras seguiam como as gregas, agregando a leitura de vísceras da herança etrusca, além de textos e livros sagrados que eram consultados frequentemente para decisões importantes.
Na Idade Média, por volta de 500 d.C., a oraculação - considerada pagã e heresia - foi reprimida e reinterpretada nos círculos místicos - alquimistas, até mesmo judeus e islâmicos mantiveram os conhecimentos astrológicos unidos a tradição cabalística para obter guiança espiritual. Período em que a quiromancia e geomancia ganham ênfase. Os conhecimentos eram passados dentro de instituições como núcleos de estudos e até mesmo conventos.
No Renascimento, entre os séculos XV e XIX, com a redescoberta do hermetismo, neoplatonismo e das tradições antigas, a oraculação passa a ser reinterpretada principalmente pelo olhar filosófico, acrescentando o I'Ching nas traduções europeias, a astrologia na medicina e na política, com instrumentos simbólicos, como a cartomancia, para promover aconselhamento pessoal e previsão sobre a fortuna. O tema passa ocupar espaço em academias da época e bibliotecas herméticas, haviam treinamentos que instruíam o praticante pelo caminho ritualístico através de estudos teológicos e matemáticos.
TAROT DA ORIGEM AO MODERNISMO
E chegamos a história do tarot, que está datada entre 1430 e 1450 nas regiões francesas e italianas de Florença, Milão, Bolinha e Ferrara como um jogo de cartas comum. Os triunfos (carte da trionfi) foi utilizado em 1440 no inventário da família Visconti-Sforza, eles foram encomendados a Bonifacio Bembo, um pintor da época que ilustrou alegorias morais e virtudes com simbologia clássica cristã, esse foi um baralho de luxo que era usado em jogos populares da corte livres de conotações esotéricas, mágickas ou divinatórias, e é o mais antigo deck preservado.
Mais de trezentos anos depois, já no iluminismo, o tarot foi reinterpretado. Em 1781, Antoine Court de Gébelin, publica o livro "O Mundo Primitivo, analisado e comparado com o mundo moderno" (Le Monde Primitif, analysé et comparé avec le monde moderne vol. VIII) e, sem evidência histórica alguma, aponta que o tarot é o livro sagrado dos egípcios antigos que fora transmitido aos boêmios disfarçado pelo jogo de cartas, associando o tarot a Thoth e trazendo um interpretação universal que conteria supostos fragmentos da ciência sagrada antiga.
O ocultismo francês absorve esse instrumento e passa a reconstruí-lo integrando conhecimentos astrológicos, cabalísticos e alquímicos, Éliphas Lévi então cria o modelo estrutural onde os vinte e dois arcanos maiores estão associados as 22 letras hebraicas e aos caminhos da árvore da vida, passando a integrar o cenário iniciático.
Papus, publica em 1889 o livro "Le Tarot des Bohémiens: o livro mais antigo do mundo" (Le Tarot des Bohémiens: le plus ancien livre du monde) sistematizando como instrumento de iniciação e adivinhação hermética e cabalística, reorganiza correspondências numéricas, associa as sefirot e passa a ser a bíblia esotérica do tarot naquele tempo.
Oswald Wirth publica já em 1927 o livro "O Tarô das Imagens da Era Média" (Le Tarot des Imagiers du Moyen Âge) redesenhando os arcanos maiores sob orientação de Stanislas de Guaita (poeta Rosa Cruz) associando a aspectos psíquicos e virtudes para restaurar o que seria o tarot iniciático original.
Chega a era Golden Dawn, que acolhe as estruturas de Lévi e Papus inserindo o tarot em um sistema operativo ritualístico e instrumento meditativo. Arthur Edward Waite, membro da Golden Dawn, convida como desenhista e colaboradora direta Pamela Colman Smith e em 1909 publica o livro "A Chave do Tarô" que acompanhava as cartas (essa edição inicial trazia o verso com design de rosas e lírios no verso das cartas), cartas essas como conhecemos atualmente, uma revolução na interpretação simbólica, com pinturas tanto para arcanos maiores quanto para arcanos menores, dotadas de simbologia esotérica e oculta. Nos próximos anos Waite também publica o livro "A Chave Pictórica do Tarô".
Waite e Aleister Crowley então passam a protagonizar uma das desavenças mais populares do ocultismo, com citações diretas de um para o outro. Ambos oriundos da mesma ordem, Waite entrou antes e era voltado ao campo místico devocional, Crowley, por sua vez, foi convidao para a Golden Dawn por George Cecil Jones e rapidamente demonstrou habilidades no ocultismo, ele buscava a liberdade e integração operacional na experiência mágicka - o que Waite via como perigo e arrogância.
O embate começa em 1899, em 1900 ocorre a conhecida disputa de liderança interna, o que leva ao colapso da ordem, Crowley segue com Mathers nesse período e rompe definitivamente com Waite - que cria sua ramificação, a Rito Independente e Retificado da Aurora Dourada (Independent and Rectified Rite of the Golden Dawn), Waite passa a negar a magia cerimonial e as práticas invocatórias, focando na redenção interior através do misticismo cristão, ele não menciona diretamente o ocultista da Nova Era, mas o alfineta no prefácio da "A Chave Pictórica do Tarô (1910)" dizendo “Há quem busque o segredo do Tarot nas paixões da carne e não na elevação do espírito”, Crowley retrucou diretamente no mesmo ano em "A Palestra Proibida": “Waite, aquele pequeno rato piedoso, não conhece nada da Luz, apenas de velas e da sombra da fé morta”. Waite então passa pregar que Crowley havia seguido o caminho da perdição e confundido com iluminação (1911) devido a magia sexual, Crowley sempre respondeu, o chamando de “vendedor de dogmas cristãos disfarçados de mistério” (1913) e ainda contou que Waite o tentou barrar na progressão dentro da ordem, nas "Confissões de Aleister Crowley" afirma: “Waite é um homem cuja ignorância é tão vasta quanto sua hipocrisia é profunda”.
(Importante ressaltar que Crowley e Mathers se tornam inimigos declarados, com trocas intensas mágickas, após o episódio chamado Batalha do Blythe Road Temple que tornou Mathers deposto. Também nas Confissões, alegou: “Mathers acreditava ser o mais poderoso mago desde Salomão. (...) Sua ruína foi acreditar demais em sua própria lenda”)
E como não poderia ter um caminho diferente, a briga de Crowley e Waite chega no campo simbólico do tarot. Aleister convida Lady Frieda Harris e criam o Tarot de Thoth trabalhando nele durante cinco anos, entre 1938 a 1943, um oráculo integralmente mágikco que reúne toda filosofia thelemica e simbologia oculta publicado oficialmente em 1969. Crowley "cutuca" o tarot de Waite: “Aquele amontoado de moralidade hipócrita pintado por uma boa mulher sob a direção de um ignorante” (Magia sem Lágrimas).
Ao contrário dos decks tradicionais, o Tarot de Thoth não é apenas um método oracular, é a fórmula iniciática do Aeon de Hórus, a nova lei cósmica, o alinhamento com a verdadeira vontade, as operações mágickas de manifesto, a força vital criativa e geradora e a integração das polaridades dentro dos estágios de avanço e desenvolvimento dos graus espirituais.
INVENÇÃO TERAPÊUTICA
Notaram que até aqui oráculo e divinação alguma possuíram contexto terapêutico? Vamos destrinchar a origem desse contexto.
Jung revolucionou a Ciência Psicológica ao fundamentar a Psicologia Analítica e toda estrutura simbólica universal e mitológica, no entanto, jamais escreveu um texto sequer sobre o tarot propriamente. A contracultura dos anos seguintes e o sincretismo New Age, principalmente nos Estados Unidos, começam a fundir esoterismo à psicologia e outras terapias corporais e artísticas, o tarot então passa a ser adotado como ferramenta de autoconhecimento e a Califórnia, através da comunidade hippie, passa a propagar a terapia simbólica absorvendo superficialmente a teoria junguiana.
Um marco faz grande diferença nesse trajeto, Sallie Nichols publica o livro "Jung e o Tarô" em 1988. Nichols era licenciada em Artes e Literatura, nunca possuiu formação clínica ou psicológica, buscou von Franz e se tornou sua aluna para compreender o simbolismo dentro do viés educacional e pedagógico, uma vez que era professora de simbologia e mitologia; a publicação do livro teve o viés de compreensão simbólica fora do contexto terapêutico.
Ela descreve através dos simbolismos dos arcanos maiores os processos de individuação na interpretação analítica, esses estão relacionados os estágios psicológicos e aos mitos e sonhos, não há metodologia oracular, tão pouco ensina psicoterapia ou estruturação psicodiagnóstica.
A confusão inicia quando leitores leigos tornam o livro em um manual de tarot psicológico, a ontologia incorreta na ótica ocultista não compreende que os fenômenos psíquicos não são instrumentos operativos e que a descrição dos símbolos no livro não caracterizou uma técnica e sim analogias visuais. A transgressão da fronteira disciplinar provoca a tendência terapêutica oracular sem validação científica ou treinamento clínico.
Posteriormente, em 1980, Hajo Banzhaf (astrólogo e escritor) absorve o modelo de Joseph Campbell e publica o livro "Tarot e a Jornada do Herói" trazendo informações do processo de individuação de Jung, descrevendo o tarot como "mapa da evolução interior". Alejandro Jodorowsky* segue um ritmo parecido, resgatando o Tarot de Marselha e propondo o uso das cartas na interpretação "psicomágica", qual publica em "O Caminho do Tarot" e nomeia o oráculo como espelho do inconsciente através de ferramentas simbólicas.
*Um ponto importante a ressaltar é que, apesar de Jodorowsky, utilizar o título psicomago ele nunca se formou em Psicologia, até começou os estudos na Universidad de Chile, em 1950, mas abandonou antes de se formar. Sua carreira se consolidou como ator e cineasta. Curiosidade: o pai de Alejandro era conhecidamente abusivo com a esposa, após ser acusado por ela de flertar com uma cliente, ele abusou da esposa, Sara, a agrediu, a estuprou e assim que ela engravida de Alejandro.
Avançando para a década de 90 e os anos 2000, a popularização comercial da pseudociência ocupa grande parte do mercado, o tarot em viés terapêutico e inúmeras abordagens holísticas se proliferam, mesmo sem formações legítimas, ofertando autoconhecimento, cura emocional, desbloqueios energéticos e tirando o viés preditivo inerente das funções oraculares. Já na era da internet o conceito incorpora os conceitos de "coaching" e PNL, com ausência de evidências metodológicas validadas.
(...) uma árvore que cresceu torta não endireita com
uma confissão, nem com o esclarecimento, mas que
ela só pode ser aprumada pela arte e técnica de um
jardineiro. Só agora é que se consegue a adaptação
normal. (Jung 1985, página 65)
MAGIA E TÉCNICAS ENERGÉTICAS
Na era do modernismo e fácil acesso a arquivos antes privados a ordens e universidades, abre as portas para a explosão de magistas, sacerdotes, oraculistas e terapeutas de todo fim, seguindo a onda de cura interior que começou no movimento New Age, o comércio se altera e acrescenta os grandes rituais curativos.
É sabido que ataques espirituais e más influências causam de fato sensações físicas, mas faz-se necessário interpretar e compreender os limites entre o que é humano e o que é energético.
Franz Bardon, em "Iniciação ao Hermetismo" diz claramente que "O mago deve estar ciente de seus próprios limites e das consequências de suas ações", ou seja, o discernimento e responsabilidade devem ser levados em conta, porque práticas inadequadas podem provocar ainda mais desequilíbrios físicos e espirituais, não sendo, em tempo algum, substituta aos tratamentos médicos e psicológicos.
Diversos autores ocultistas ao longo da história, assim como diversos sistemas mágickos, abordam a importância de um mental equilibrado e sob controle para praticar e obter resultados através da manipulação de forças energéticas.
Dio Fortune descreveu que nem todos estão prontos ou preparados para magia, ela pontua que:
"Reconhecia-se, igualmente, que este conhecimento era zelosamente guardado pelos que se haviam convertido em seus custódios, e em todas as épocas se dava a mesma razão para justificar essa reserva absoluta: que em mãos indignas esse poder podia ser mal empregado, causando grandes prejuízos, porque o ser humano não tem direito de fazer uso dele para qualquer fim".
A mesma autora descreve que distúrbios emocionais podem estimular e potencializar ataques psíquicos, aumentando as desordens, uma vez que "a mente é essencialmente o órgão de adaptação ao meio ambiente", o corpo é o veículo da mente, uma mente em desequilíbrio manifesta reações distorcidas.
Portanto, magistas experientes sabem compreender a origem dos desequilíbrios e sabem que o suporte emocional com profissionais qualificados é indispensável para que magias efetivas aconteçam.
Primeiro muda-se o padrão mental, depois a frequência energética.
Atuar em camadas sutis que refletem em outras áreas da vida requer muito cuidado, pois pessoas em estágios complexos emocionais podem piorar seu estado quando inseridas em rituais intensos.


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